Antes te levasse consigo!
Agarra-me debaixo da chuva fria. Deixa-me ver as gotas a deslizar pelo teu rosto. Deixa-me sentir o teu corpo tremer, junto ao meu.
Agarra o tempo que não espera. Aprisiona-o na caixa de Pandora, onde ninguém nos virá procurar.
Um carro passa e desconcentra-nos o silêncio.
Puxas-me para o abrigo e dizes-me para aguardar. Desapareces-te por entre a água…
No regresso trazias uma caixa, deslizavas suavemente por entre a estrada, como quem guarda cristal. Como quem segura numa criança.
Levantei-me mas tu desejas-te que permanecesse assim mesmo. Tiras-te de lá um cobertor quentinho, dois copos, um termo com água quente mais uns torrões de açúcar.
A caixa serviu de mesa. As carteirinhas de chã, juntos com aquela água quente, eram um mero aconchego. A manta, era somente o que nos unia. E eu e tu, a partilhar o mesmo desconforto, era o começo de uma vida.
Éramos apaixonados sem medo de amar. Apaixonados sem dores e mágoas. Éramos apaixonados pelo sentimento gracioso, etéreo. Sensações assim, não aparecem a toda a hora, portanto é bom fazer loucuras enquanto a pureza se encontra a morar no coração. Enquanto não é lerdo, ou estranho, ou anormal. Enquanto o mundo é limitado e irracional.
Cedo, o cobertor que nos cobria, começou a servir apenas para nos aquecer, e o chã com sabor a maça - canela deixou de ser quente e doce.
Alguém abriu a caixa de Pandora, descobriu o que fomos, matou o que éramos e desapareceu com o que eras.
Antes te levasse consigo! Mas não. Como castigo aguilhoaste-me a teu lado, e a mesa de cartão, deixou de segurar o calor. Transformou-se numa pedra fria que apenas servia para nos unirmos à mesa, distantes do tempo em que nos abraçávamos sem pedir.
Antes te levasse consigo, para eu apenas conhecer a dor de uma memória. Assim vivo todos os dias, com o cheiro da incapacidade de te ver sair. Sem vontade de ficar contigo, sem vontade de te mandar embora.
Só aquela chuva, permaneceu presa na Caixa de Pandora.
Catarina Portela